Quando falamos em adultização de crianças e adolescentes, o mais comum é associar essa questão à sexualização precoce, ou seja, ao uso de roupas e às danças, músicas e conteúdos digitais que não combinam com a idade. Porém, reduzir a adultização a esse aspecto é um erro pois esse processo é muito mais amplo.
A adultização precoce acontece sempre que uma criança é exposta às demandas, responsabilidades ou expectativas que não correspondem à sua fase da vida que ela está vivendo. Isso inclui desde agendas lotadas de compromissos até a cobrança por desempenho escolar como se fosse um profissional.
Nas últimas semanas, o vídeo postado pelo youtuber Felca reacendeu um grande debate em torno do tema. A repercussão da publicação foi tão grande que as conversas sobre o tema extrapolaram a bolha da internet e foram parar no Legislativo, mobilizando autoridades, plataformas e especialistas.
Postado em 6 de agosto, o vídeo, com duração de quase 50 minutos, denunciava conteúdos e práticas que exploravam crianças e adolescentes nas redes sociais. Em poucas horas, o material viralizou, alcançando diferentes esferas da sociedade, e funcionou como uma lente de aumento sobre um assunto que especialistas já apontavam há muito tempo.
O alerta é claro: expor crianças e adolescentes às situações, responsabilidades e expectativas que atropelam o seu tempo de desenvolvimento pode trazer consequências gravíssimas para a saúde emocional, a aprendizagem e a proteção integral de meninas e meninos.
No post de hoje, queremos falar sobre esse assunto tão urgente e importante para família e escola.
Adultização é muito mais do que sexualização precoce
Para muitos, estimular responsabilidades e experiências adultas desde cedo é uma forma de preparar melhor as crianças e adolescentes. Contudo, na prática, quando esse processo não respeita o desenvolvimento de cada etapa, o resultado é o oposto. Em lugar de mais segurança, eles tendem a se tornar inseguros, ansiosos, sobrecarregados e, muitas vezes, mais vulneráveis.
A melhor preparação para o futuro acontece quando a criança e o adolescente têm a oportunidade de brincar, errar, experimentar, conviver e aprender no seu tempo.
A sexualização precoce é uma das faces mais visíveis da adultização, mas está longe de ser a única. Também entram nessa categoria coisas como:
- Cobranças exageradas por resultados na escola: crianças que têm sua rotina tomada por cursos, reforços, provas e metas têm pouco tempo para brincar e acabam associando valor pessoal apenas ao desempenho.
- Pressões estéticas e de consumo: a busca por roupas, cosméticos e comportamentos adultos, incentivada pelas redes sociais, cria insatisfações e padrões inalcançáveis.
- Exposição nas redes: transformar a vida da criança em conteúdo público pode parecer inofensivo, mas abre espaço para críticas, comparações e até riscos de segurança.
Por que a adultização é tão preocupante?
A infância e a adolescência são fases únicas nas quais o brincar, o experimentar e o conviver são fundamentais para o desenvolvimento saudável. Quando esse tempo é encurtado, surgem prejuízos em diferentes áreas:
- Na saúde emocional: ansiedade, baixa autoestima e medo de não corresponder às expectativas.
- Na aprendizagem: dificuldade de concentração, desmotivação e queda no rendimento escolar.
- Nas relações sociais: menos tempo de convivência e de brincadeiras coletivas, mais isolamento.
- Na identidade: crianças começam a medir seu valor pelo desempenho ou pela aparência, em vez de pelo que realmente são.
A adultização não acelera o desenvolvimento e gera prejuízos enormes para crianças e adolescentes
Adultizar é, na maioria das vezes, “queimar etapas”. Esse processo costuma aparecer associado à antecipação de experiências e responsabilidades que deveriam acontecer com mais idade e suporte.
Como as crianças e adolescentes não possuem maturidade para lidar com certas questões, a exposição pode trazer consequências graves para o desenvolvimento dos mais jovens. Por exemplo:
Em relação à aprendizagem, a conversão do cotidiano em produtividade leva as crianças e adolescentes a tirar o foco do aprender e colocá-lo na performance. Isso impacta atenção, criatividade e persistência.
Sinais de adultização no cotidiano
No dia a dia de crianças e adolescentes, é possível perceber os sintomas da adultização em diferentes momentos. Entre eles:
Na linguagem e nos temas:
- conversas e piadas que envolvem assuntos de adulto
- superexposição à fofocas e dramas de relacionamento
- preocupação com aparência e “likes” como moeda de valor
Nos hábitos de consumo:
- desejo de produtos e estéticas de adultos (cosméticos, procedimentos, roupas sexualizadas)
No uso de telas:
- presença em apps com idade mínima não respeitada
- conversas com desconhecidos
- desregulação de sono pelo uso excessivo de celulares e computadores
Na dinâmica familiar:
- responsabilidades incompatíveis com a idade
- pouca supervisão digital
- exposição pública recorrente da imagem da criança (vlogs, “challenges”, trends)
O ponto de virada: uma cultura do cuidado que diz não à adultização
Além desses sinais mais perceptíveis, existe um lado invisível da adultização que pode ser igualmente prejudicial às crianças e adolescentes, mesmo que pareça inofensivo.
No dia a dia, algumas práticas já normalizadas acabam roubando tempo de infância. Entre elas, podemos citar a existência de uma agenda tão ocupada quanto a de um adulto e a transformação da rotina da criança em conteúdo monetizável.
O vídeo do Felca relembrou que não devemos normalizar práticas que empurram crianças e adolescentes para a vida adulta antes do tempo.
O avanço chegará quando entendermos que precisamos preservar a infância e a adolescência não são atrasos. Preservar as crianças e adolescentes é investir em vínculos, tempo de brincar, curiosidade e na participação segura e gradual nos ambientes digitais.
Se a internet continuar recompensando quem cruza limites e incentivando a adultização, a família e a escola continuarão enfrentando um enorme desafio: mediar a relação entre crianças e adolescentes, estabelecendo limites que respeitam as etapas do desenvolvimento.
Como proteger a infância?
A boa notícia é que ainda dá tempo de contrariar o processo de adultização e ajudar crianças e adolescentes a viverem essas fases da vida de forma saudável. Nessa jornada, escola e família devem andar de mãos dadas e agir juntas para preservar os mais novos.
Enquanto a família estabelece rotinas equilibradas, supervisiona o uso de telas, respeita os limites de cada idade e ouve as necessidades dos filhos, a escola faz um papel diferente.
No ambiente escolar, o brincar é valorizado, os projetos pedagógicos respeitam o tempo da infância, trabalha a educação midiática e mantém canais de diálogo com as famílias.
Adultização: uma questão a ser tratada pela família e pela escola.
Proteger a infância e a adolescência é uma tarefa de todos. Nessa caminhada, família e escola precisam estar lado a lado, estabelecendo confiança, diálogo e coerência nas ações.
A família é o primeiro espaço de proteção e afeto. Neste lugar, a criança aprende valores, limites e hábitos de vida. A escola amplia esse horizonte ao oferecer experiências de convivência, conhecimento, criatividade e autonomia. Quando esses dois ambientes se comunicam, as crianças encontram segurança para explorar o mundo sem queimar etapas.
Na Escola Vitória, cuidar da infância e da adolescência em sua integridade, valorizando o brincar e o reforço de valores saudáveis. Nosso compromisso é formar não apenas estudantes competentes, mas pessoas seguras e vitoriosas. Para nós, o verdadeiro sucesso nasce de uma infância vivida plenamente.